"...Ensinar seriamente é por as mãos no que há de mais vital no ser humano. É tentar ter acesso ao que há de mais sensível e de mais íntimo da integridade de uma criança ou de um adulto. Um mestre invade, força a abertura, é capaz de devastar a fim de purificar e reconstruir. O ensino ruim, a rotina pedagógica, um estilo de instrução cínico - quer seja o cinismo consciente ou não - são perniciosos. Destroem a esperança pelas raízes. O mau ensino é, quase literalmente,assassino e, metaforicamente, um pecado. Ele diminui o aluno, reduz a uma insanidade abjeta o assunto apresentado. Impregna a sensibilidade da criança ou do adulto com o mais corrosivo dos ácidos, o tédio, com os eflúvios perniciosos do enfado. Milhões de pessoas tiveram e têm suas experiências da matemática, da poesia, do pensamento lógico aniquiladas por um ensino assassino, pela mediocridade talvez subconscientemente vingativa de pedagogos frustrados...
...Bons professores, incendiários das almas nascentes de seus alunos, podem ser mais raros que os artistas virtuosos ou que sábios. Professores do ensino básico treinadores de mente e do corpo, que tenham profunda consciência do que está em jogo, das relações de confiança e vulnerabilidade, da fusão orgânica entre responsabilidade e resposta ( a que chamo de "repostabilidade" ) são, alarmantemente, poucos. Ovídio nos lembra: "Não há maior maravilha" . Na verdade pela experiência que temos, a maioria daqueles a quem confiamos nossos filhos na escola secundária, daqueles em que procuramos orientação e exemplo na universidade, são, em maior ou menos intensidade, gentis coveiros. Esforçam-se por reduzir o interesse de seus alunos a seus próprios níveis de tédio e indiferença. Eles não abrem" o Delfos" e sim o fecham.
O ideal do verdadeiro mestre, o oposto desses, não é uma fantasia romântica ou uma utopia sem qualquer alcance prático. Aqueles dentre nós que são afortunados certamente terão encontrado Mestres verdadeiros, sejam eles Sócrates ou Émerson, Nádia Boulanger ou Max Perntz. Estes quase sempre anônimos: mestres-escolas isolados que despertam os dons das crianças e adolescentes, que colocam a obsessão em seu caminho. Pelo empréstimo de um livro, pela disponibilidade depois da aula, aguardando ser procurado. No judaísmo a liturgia inclui uma bênção especial para as famílias nas quais pelo menos um membro venha a tornar-se scholar".
George Steiner - Lições dos Mestres
Nenhum comentário:
Postar um comentário