quarta-feira, 13 de março de 2013

MENINO PASSARINHO




A história que eu vou contar pode se confundir com a de muitas pessoas. A história do menino passarinho. Eu o conheci se é que se pode dizer isso, porque pouquíssimas pessoas puderam conhecê-lo de verdade. A primeira vez que o vi, algo me chamou a atenção. Garoto calado, olhar profundo, como se estivesse o tempo todo contemplando alguma coisa. Para sua idade tinha uma estatura normal. Nesse primeiro encontro pouco falou comigo, apenas respondeu as perguntas que lhe fiz. Seu nome era Ângelo.
Nasceu em uma casa simples da periferia, onde vivia com seus quatro irmãos. O pai ele não conhecia. Era sua mãe que sustentava a casa trabalhando como doméstica. Seu irmão mais velho também ajudava, pois já tinha idade para trabalhar. Ângelo ou Anjinho, como era chamado pelos irmãos era diferente dos outros. Sempre fora caldo, sempre com o olhar taciturno. Tinha uma esperteza natural, tanto que os parentes e amigos diziam que iria longe na vida. Mas a timidez o afastava do sucesso.
No primeiro dia de aula de sua vida ficou sem falar com ninguém, somente respondeu a chamada. Assim ficou por muito tempo. Os colegas da sala tentavam se aproximar dele, mas ele não se abria para as amizades. Calado chegava, calado saia. Foi neste tempo que seus problemas começaram. Era considerado aluno displicente, preguiçoso. Começou a frequentar assiduamente a sala da direção da escola. Sua mãe perdera a conta de quantas vezes fora chamada por causa disso. Conversas e conversas, e nada mudava. Repetiu o primeiro ano duas vezes. O segundo uma vez, o terceiro mais duas e quando chegou ao quarto já era um adolescente. Neste período Anjinho tornou-se agressivo, vivia arrumando confusões, sem contar as mudanças de escola. Ele por ficar o tempo todo calado e contemplativo, foi apelidado de o menino passarinho, tudo por causa de um professor que bem alto gritou que ele parecia um passarinho, pois passava o tempo todo voando.
O que será que passava pela cabeça do menino passarinho, por onde será que ele voava? Essa pergunta atordoava a todos que dele queriam se aproximar. Às duras penas ele terminou a quarta série. Já era um moço, quinze anos . Resolveu que não iria mais para a escola, pois queria trabalhar. Sua mãe ficou apreensiva, como poderia seu menino sobreviver dentro de uma empresa do jeito que ele era. Não permaneceria em emprego algum. Esse pensamento estava correto, não parou mesmo nos empregos.
Angelo tinha um lugar secreto, onde costumava ficar quando estava nervoso. Todos sabiam que ali ele se refugiava, mas ninguém sabia como era o lugar. Era um barraco velho que ficava bem no fundo do quintal de sua avó. Ali ele costumava passar horas, e às vezes, até dormia por lá. Infelizmente o menino passarinho deu um voo equivocado e foi parar em uma delegacia, pois estava com um grupo de delinquentes. A família ficou desesperada, o que fazer, eram pobres e advogado cobrava caro.
Aprisionaram o menino passarinho por dois anos. Foi nesse tempo que o conheci. Chegou em minha sala de cabeça baixa, e quase nada falou. E u já havia lido todo o relatório feito sobre ele. O motivo dele estar ali, como era sua família, seus problemas escolares. Mas algo me incomodava, ele não tinha um histórico tão ruim como eu pensava, estava ali apenas por um delito. O que se passava naquela cabeça? Passei alguns meses incomodado, pois nada tinha mudado desde o nosso primeiro encontro, ele continuava em seus voos intermináveis.
Resolvi então visitar sua família para entender melhor o garoto. Fui muito bem recebido. Todos queriam entender o motivo daquele drama. Conversamos sobre sua infância e o tempo na escola. Muita coisa não encaixava. Um garoto aparentemente normal que não conseguia estudar, que não conseguia trabalhar e que agora estava preso. Algo dentro de mim me fez perguntar para a mãe se tinha alguma coisa que ele gostava de fazer. Ela me disse que ele passava horas e horas no barraco no fundo do quintal da casa da vó, e eles não iam até lá, portanto ninguém sabia o que ele fazia e o que tinha lá dentro. Pedi para conhecer o lugar.
Quando entrei no barraco fiquei estupefato e em estado de graça. Um espaço todo organizado, uma espécie de ateliê. Esculturas, pinturas de fazer inveja a muitos artistas bem preparados. Obras geniais. O menino passarinho depois de seus voos trazia para o seu ninho as recordações dos lugares e imagens que conhecera. Sentei, contemplei e chorei. A visita àquele lugar me fez repensar o meu trabalho, as minhas abordagens aos meninos e meninas que vinham à minha sala.
Voltei para a Fundação, e solicitei que Ângelo viesse até a minha sala. Desta vez não fiz perguntas, pedi-lhe apenas que desenhasse o que estava sentindo naquele momento. Sai da sala, e depois de algum tempo voltei.
Ele me entregou o desenho, mais uma vez fiquei estupefato, mais uma vez me emocionei. Pedi para me contar, onde tinha sido aquele voo, foi aí que comecei a conhecer o verdadeiro menino passarinho. Descobri que ele sabia ler, não escrevia tão mal como se pensava, não tinha problemas em aprender. Apenas, não foi alcançado em seus voos.
Lutei para que ele fosse liberado da pena, continuei acompanhando seus passos. Ele se encontrou, começou a falar mais. Embora ainda continuasse contemplativo e de pouca conversa. Volta mais rápido de seus voos e cada vez mais com imagens geniais.
Muitos anos se passaram e o menino voou, voou, para outras terras para mostrar o produto de seus voos, é hoje um grande artista plástico. Depois dele conheci outros passarinhos, cada um com seu ninho, seu esconderijo, com sua genialidade. Aprendi a lutar para a sobrevivência destes passarinhos para que não sejam abatidos em seus voos, que não se percam pelo caminho. Ângelo, o menino passarinho também me ensinou a voar, que eu também preciso de um ninho, para comigo me encontrar. E que todos nós somos passarinhos e precisamos de liberdade para voar. Há muitos meninos passarinhos por aí precisando de alguém para encontrá-los.

Autor: José Geraldo da Silva

4 comentários:

  1. Excelente conto, nós leva a refletir a necessidade de nossos métodos e práticas de ensino e nós remete a conhecer de mais de perto a realidade de nossos alunos.
    Prof. Warley

    ResponderExcluir
  2. Adorei Continue com suas lindas histórias e Poesias pois seu sucesso ira Almentar cada dia mais!

    ResponderExcluir
  3. Que lindooo Jose !!!poeta cigano..
    E de uma sensibilidade extraordinária...

    ResponderExcluir