O
telefone toca e a passos lentos ele vai até a sala e atende a ligação. Ficou
parado, apenas ouvia. Desligou sem proferir uma palavra sequer. Foi até o
quarto e trocou de roupa. Sem dizer nada saiu pela rua caminhando como se não
tivesse destino. Quem passava e o conhecia ficou sem entender, pois não havia o
sorriso cotidiano e nem as paradas para os cumprimentos. Depois de um certo
tempo de caminhada chegou na pracinha do bairro. Sentou-se no banco, tirou do
bolso um retrato e sozinho chorou.
Sessenta anos atrás, naquela praça ele havia esperado por um encontro que nunca
acontecera. Encontro esse que teria mudado toda a sua vida. Toda a sua
história. Ali naquele lugar ele iria se encontrar com a mulher por quem seu
coração se apaixonara, e por quem fizera planos. Eles fugiriam para viver uma
linda história de amor. Pois só fugindo poderiam quebrar as barreiras do
preconceito que afastavam suas famílias e vidas. A religião os separava. Porém
o amor não tem religião, e por isso seus corações se encontraram.
Guardou
a foto no bolso do paletó e tirou um envelope envelhecido pelo tempo e dele uma
carta. Leu e releu, e a cada leitura uma pausa para enxugar as lágrimas. Ele
estava ali, no lugar que há sessenta anos havia marcado para começar uma nova
vida, para poder beijar a amada e com ela construir os sonhos sonhados pelos
dois. Ali ele fechou os olhos para não mais abrir. Foi assim que encontrei meu
avô, com uma carta na mão e um retrato amarelado de uma linda moça guardado no
bolso.
Desesperado,
gritei por ajuda, mas era tarde demais. Naquela manhã, o velho judeu Salomão,
partia talvez, para o encontro tão esperado, pois na eternidade não há
barreiras para o amor. Peguei a carta e a fotografia e guardei comigo. Depois
do funeral e dos dias que a religião guarda seus mortos, tomei coragem e li a
carta:
Querido
Salomão
Sei
que você está me esperando e que as passagens já estão compradas. Meu coração
está destroçado. Não poderei ir. No momento que você estiver lendo esta carta
eu já estarei muito longe. Lugar que nem mesmo eu sei onde fica. Meus pais
descobriram tudo. E enfurecidos, pois não aceitam a nossa união, por eu ser
cristã e você ser um judeu, estão me mandando para um convento. Não terei mais
contato com o mundo exterior. Hoje uma parte de mim está morrendo. Porém
manterei vivo o meu amor, e por causa dele suportarei o meu calvário, ele será
o alento para as horas de aflição. Seja feliz meu amor. Não tente me encontrar,
não será possível a nossa união. Estamos sendo separados pela hipocrisia e pelo
preconceito.
Mais
uma vez, seja feliz. Apenas te peço, não esqueça de mim. Te encontrarei um dia
aonde não haverá barreiras para o amor.
De sua e sempre, Stella
Uma
comoção tomou conta de mim. Fiquei estático, não contive as lágrimas. Minha
esposa me encontrou chorando e logo quis saber a razão. Dei-lhe a carta, e ela
também se emocionou. Nós dois tivemos um dia que fazer a nossa escolha, ou
viver o nosso amor, ou viver na tradição. Escolhemos o amor. Hoje as coisas já
mudaram bastante. Somos de religiões diferentes, mas podemos viver em harmonia.
Procurei
saber quem teria sido essa tal Stella. Não demorou muito e fiquei sabendo da
sua história. Fora mandada para um convento e nunca mais saiu. Passou sessenta anos de sua vida enclausurada. Também fiquei sabendo que na manhã em que meu
avô havia falecido ela também falecera. Quem então teria ligado para ele? Isso
nunca ficamos sabendo. Uma coisa ficou certa, depois de sessenta anos os dois
se encontraram, num lugar sem preconceitos. Penso todos os dias como teria sido
para eles a vida se o preconceito não os tivesse separado. Talvez eu não
estivesse aqui contando essa história.
José Geraldo da Silva