quarta-feira, 30 de julho de 2014

DEPOIS DE SESSENTA ANOS



O telefone toca e a passos lentos ele vai até a sala e atende a ligação. Ficou parado, apenas ouvia. Desligou sem proferir uma palavra sequer. Foi até o quarto e trocou de roupa. Sem dizer nada saiu pela rua caminhando como se não tivesse destino. Quem passava e o conhecia ficou sem entender, pois não havia o sorriso cotidiano e nem as paradas para os cumprimentos. Depois de um certo tempo de caminhada chegou na pracinha do bairro. Sentou-se no banco, tirou do bolso um retrato e sozinho chorou.
Sessenta anos atrás, naquela praça ele havia esperado por um encontro que nunca acontecera. Encontro esse que teria mudado toda a sua vida. Toda a sua história. Ali naquele lugar ele iria se encontrar com a mulher por quem seu coração se apaixonara, e por quem fizera planos. Eles fugiriam para viver uma linda história de amor. Pois só fugindo poderiam quebrar as barreiras do preconceito que afastavam suas famílias e vidas. A religião os separava. Porém o amor não tem religião, e por isso seus corações se encontraram.
Guardou a foto no bolso do paletó e tirou um envelope envelhecido pelo tempo e dele uma carta. Leu e releu, e a cada leitura uma pausa para enxugar as lágrimas. Ele estava ali, no lugar que há sessenta anos havia marcado para começar uma nova vida, para poder beijar a amada e com ela construir os sonhos sonhados pelos dois. Ali ele fechou os olhos para não mais abrir. Foi assim que encontrei meu avô, com uma carta na mão e um retrato amarelado de uma linda moça guardado no bolso.
Desesperado, gritei por ajuda, mas era tarde demais. Naquela manhã, o velho judeu Salomão, partia talvez, para o encontro tão esperado, pois na eternidade não há barreiras para o amor. Peguei a carta e a fotografia e guardei comigo. Depois do funeral e dos dias que a religião guarda seus mortos, tomei coragem e li a carta:

Querido Salomão

Sei que você está me esperando e que as passagens já estão compradas. Meu coração está destroçado. Não poderei ir. No momento que você estiver lendo esta carta eu já estarei muito longe. Lugar que nem mesmo eu sei onde fica. Meus pais descobriram tudo. E enfurecidos, pois não aceitam a nossa união, por eu ser cristã e você ser um judeu, estão me mandando para um convento. Não terei mais contato com o mundo exterior. Hoje uma parte de mim está morrendo. Porém manterei vivo o meu amor, e por causa dele suportarei o meu calvário, ele será o alento para as horas de aflição. Seja feliz meu amor. Não tente me encontrar, não será possível a nossa união. Estamos sendo separados pela hipocrisia e pelo preconceito.
Mais uma vez, seja feliz. Apenas te peço, não esqueça de mim. Te encontrarei um dia aonde não haverá barreiras para o amor.
               De sua e sempre, Stella

Uma comoção tomou conta de mim. Fiquei estático, não contive as lágrimas. Minha esposa me encontrou chorando e logo quis saber a razão. Dei-lhe a carta, e ela também se emocionou. Nós dois tivemos um dia que fazer a nossa escolha, ou viver o nosso amor, ou viver na tradição. Escolhemos o amor. Hoje as coisas já mudaram bastante. Somos de religiões diferentes, mas podemos viver em harmonia.
Procurei saber quem teria sido essa tal Stella. Não demorou muito e fiquei sabendo da sua história. Fora mandada para um convento e nunca mais saiu. Passou sessenta anos de sua vida enclausurada. Também fiquei sabendo que na manhã em que meu avô havia falecido ela também falecera. Quem então teria ligado para ele? Isso nunca ficamos sabendo. Uma coisa ficou certa, depois de sessenta anos os dois se encontraram, num lugar sem preconceitos. Penso todos os dias como teria sido para eles a vida se o preconceito não os tivesse separado. Talvez eu não estivesse aqui contando essa história.


                        José Geraldo da Silva

domingo, 27 de julho de 2014

LEVARAM NOSSAS CHUTEIRAS



Durante quatro anos o que se mais ouviu no país foi: seremos a sede do mundial de seleções. Foram dias interessantes, pois a mídia, seja ela escrita ou falada sempre reservava um espaço para comentar o futuro evento. No início poucas vozes se levantaram contrárias a isso. O que se dizia então, é que seriam construídos estádios no padrão FIFA. Que os entornos dos estádios receberiam uma boa infraestrutura. Mas o que se viu não foi bem isso. Esqueceram de montar uma equipe competitiva, esqueceram do povo.
Os famosos estádios demoraram a serem construídos ou serem reformados para o tal padrão. O povo que antes era só alegria, nos dois últimos anos antes do evento, começou a ficar inquieto, e então começaram os protestos. De início, em relação à péssima qualidade do sistema de transporte, depois por melhores condições da saúde e de moradia. É pena que por falta de boa educação, os protestos sempre terminavam em badernas e atos de vandalismos. Os déficits das construções só aumentavam, e por pouco o padrão tão esperado não teria ficado só no papel. Conta essa que mais uma vez será paga pelos contribuintes.
O momento político ficou conturbado, a oposição que antes era situação, resolveu atuar para tirar proveito eleitoreiro. Apareceram então os culpados. Muitos desses opositores ficaram eufóricos à época em que O Brasil foi escolhido para ser a sede do mundial. Com certeza eles não imaginavam que seriam oposição quando o evento ocorresse. O discurso de entusiasmo tomou um tom ácido. Resolveram então falar de prioridade na saúde, na educação, nos transportes, enfim nos assuntos que sempre aparecem nos discursos de palanque e que são esquecidos logo após a tomada de posse para um novo mandato.
Por fim, chegou a copa e como é de praxe, o jeitinho brasileiro funcionou, maquiaram bem o país. O povo que antes estava nervoso se resumiu num pequeno grupo de manifestantes que lembrava de longe os dias áureos das manifestações contra a copa. Como sempre a nação ficou anestesiada. As empresas mudaram seus horários, o comércio se adequou à situação. As escolas mudaram seus calendários. É claro, o país é conhecido internacionalmente como a pátria das chuteiras. Um jogador de futebol é mais conhecido do que autoridades, basta citar seu apelido e todos ficam sabendo que se trata de brasileiros em férias por seus países. Porém se esqueceram do time de futebol, aliás não tinha um time. Tinha apenas um grupo de garotos vendendo suas imagens para produtos. Foi um bombardeio maciço nos meios de comunicação. O povo suspeitou logo de início que a coisa não estava tão boa como se imaginava.
            O país das chuteiras logo ficou descalço, pois sem um profundo planejamento, sem estratégias e sem brio, os heróis vestidos com seus uniformes e suas superchuteiras foram vítimas de sua própria arrogância e despreparo, foram derrotados por um time de fato, que aprendeu com seus erros e investiu em trabalho. A pergunta que fica é: Será que aprenderão a lição? Quem vai pagar essa conta? O povo vai de fato entender que há coisas muito mais importantes para se pensar e realizar pela nação? É hora de pendurar as chuteiras e pensar nos rumos do Brasil, pois é ano de eleição.
                                                      José Geraldo da Silva