Há alguns anos eu
trabalhava em uma escola da
periferia da minha cidade e dava aulas para alunos de oitavas séries. Naquela
ocasião propus que produzissem em uma versão moderna histórias já contadas,
tais como: Chapeuzinho Vermelho, Os três porquinhos entre outras. A maioria
reclamou, mas aceitou o desafio. Estava difícil sair alguma coisa, e eu já
estava ficando impaciente. Percebi então que no grupo de alunos havia um que
ainda não tinha me mostrado o seu texto. Pedi-lhe que o apresentasse, porém ele
negou, alegando que não estava bom e eu não iria gostar nem um pouco. Depois de
muita insistência e com a promessa de que não iria puni-lo ele o entregou.
Ele abaixou a cabeça
no momento em que eu comecei a ler. Foi uma surpresa maravilhosa. Fiquei
impressionado com sua criatividade. A história por ele relatada era a dos Três
porquinhos que começava mais ou menos assim:
Era uma vez num lugar
bem distante onde moravam os três porquinhos. Num certo dia um dos porquinhos
se aproximou de uma ovelhinha que chorava desesperadamente, e logo quis saber
do que se tratava:
- Por que está
chorando assim colega?
Ela então respondeu:
- Você não sabe da
última?
- E qual é a última
que te deixou neste estado?
- É que o lobo
Exageraldo está à solta nos atormentando com perguntas sobre orações
coordenadas e subordinadas, e não aguentamos mais.
Nesse momento
interrompi a leitura, e quase soltei uma enorme gargalhada. Continuando a
história.
O porquinho apavorado
lhe disse:
- Vou correndo contar
aos meus irmãos para que se protejam.
Passado algum tempo o
lobo Exageraldo se aproximou da casa do primeiro porquinho, e gritou:
- Saia já daí e me
responda às perguntas que vou fazer, senão derrubo sua casa.
O porquinho apavorado
gritou:
- Não saio, não saio!
Eu não sei te responder.
O lobo então soprou,
soprou até que a casa foi ao chão. O porquinho correu desesperadamente para a
casa de seu irmão e ficou por lá. Não demorou muito para que Exageraldo
aparecesse e gritasse:
- Saiam já daí, e me
respondam as questões de gramática, senão derrubo esta casa.
Eles
responderam:
-
Não vamos sair, não sabemos as respostas.
Não
precisa nem dizer que a casa deles também caiu. Desesperados correram para a
casa do outro irmão. Este era estudioso, fazia todas as atividades escolares.
Gostava dos livros, era um aluno nota dez. Acolheu os irmãos e os colocou para
estudar. O medo os fez estudar como loucos.
Exageraldo
cheio de razão chegou até a última casa, e como sempre gritou:
-Saiam
daí e me respondam as perguntas gramaticais, senão eu derrubo esta casa.
-
Eles gritaram:
-
Manda ver, estamos preparados para você. Não temos mais medo de suas provas e
questionários.
Saíram
e responderam tudo. O lobo ficou meio sem-graça, pois achava que ninguém seria capaz
de aprender gramática, essa matéria torturante. Foi embora e nunca mais
atormentou as pobres criaturas.
Vocês
não imaginam a minha felicidade, ler algo tão criativo. É claro que o texto
teve nota máxima. Entretanto o medo do aluno era de que eu ficasse bravo com o
nome dado ao lobo, Exageraldo. Pelo contrário, fiquei lisonjeado. Sou o
professor Zé Geraldo, de Língua Portuguesa. Entenderam o porquê do nome?
Às
vezes muitos alunos não mostram seus talentos e qualidades artísticas, com medo
de serem reprimidos ou ridicularizados. E também percebi o horror que os alunos
sentiam em relação às aulas maçantes de análise sintática, por isso, daí em
diante mudei os meus métodos. Foi mais uma lição que aprendi na minha vivência
em sala de aula. Há muitas pérolas que precisam ser polidas até que se tornem
joias raras. Todos são capazes, é só acreditar.
José Geraldo da Silva