segunda-feira, 14 de outubro de 2024
domingo, 15 de setembro de 2024
CRÔNICAS DE SALA DE AULA
crônicas de sala de aula
BOLA DE GUDE
Era uma barulheira danada, a criançada se reunia no campinho de terra que ficava no final da rua. Cada um com a sua latinha cheia de bolinhas de gude, era um festival de cores e tamanhos.
Faziam as burcas, estabeleciam as regras, que na maioria das vezes eram quebradas. Brigas, palavrões inocentes eram partes do espetáculo. Bolinhas que quebravam, e muitos que voltavam para casa com suas latas vazias. Mas no outro dia estavam lá de novo.
Que saudades dos campinhos de terra, que saudades das bolas de gude. Hoje estão na lembrança daqueles que de fato viveram a sua infância e sabem o que é uma bola de gude.
José Geraldo da Silva
A BORRACHA
Era uma discussão sobre quem era o mais importante na construção de um texto, estava o lápis, a caneta e a borracha.
O lápis disse todo garbosos:
- Eu dou o pontapé inicial, sem isso não há texto, preparo o rascunho.
A caneta, mais vaidosa ainda e com empáfia, disse:
- Quem finaliza o serviço sou eu queridinho; o texto só é finalizado com minha atuação.
A borracha, acanhada, pensou, pensou e com humildade desabafou:
- É meus amigos, quem apaga as bobagens que vocês fazem sou eu, se isto não acontecer o texto pode ser apenas um pretexto; e mais, tenho saudades das mão talentosas que nos usava com maestria e eu não sofria tanto. Portanto, toda esta discussão não passa de devaneios. Prestem atenção, sem um de nós não haverá texto.
Houve silêncio e cada um se pôs no seu lugar.
José Geraldo da Silva
CAIXAS D'ÁGUA
Tirar água de poço é tarefa muito interessante. Joga-se o balde, que desce fazendo barulho, sendo preso por uma corda. Quando sobe, vem chorando ao sentir a força da corda lhe puxar. Tem até poesia neste ato.
Com o tempo o balde e poço foram substituídos pelos encanamentos das companhias de abastecimento. A poesia do balde acabou dando lugar para as caixas d'água. Elas têm vários tamanhos, de acordo com o cliente. Não se ouve mais o gemido dos baldes, e sim, o barulho das torneiras.
Para as caixas d'água encherem, precisam apenas da pressão dos encanamentos, que não trazem encantamentos. As caixas ficam no alto das casas e não embaixo. Elas não trazem a saudade dos tempos dos poços e dos baldes, que traziam aos homens o tesouro escondido no subsolo, que enchiam os olhos de alegria com o liquido precioso. Nos poços não se pagava pela água, nas caixas d'água o preço dói no bolso.
José Geraldo da Silva
CARTAS
Naquela caixa antiga, envelhecida pelo tempo, guardavam-se segredos, histórias, amores e saudades. Estavam todas elas amareladas, amarrotadas e fragilizadas.
Estavam amarradas por fitas, por temas e por lembranças. Posso imaginar, quão lindas histórias foram relatadas por elas. Fico bastante tempo contemplando-as.
Que saudades! Hoje elas estão em um museu para que as pessoas se lembrem como eram as cartas.
José Geraldo da Silva
MOCHILA
Já não havia mais espaços nela de tantos bótons que carregava. Desbotada pelo tempo, pequenos rasgos, mas isso não importava, na hora da nova aventura ou de uma nova viagem, lá estava ela de novo nas minhas costas.
Por muitas vezes cogitei em trocá-la, mas não conseguia. Era parceira de muitas histórias e de aventuras. Ela envelhecia, como eu envelhecia também.
Até que um dia os tempos de aventuras acabaram e a responsabilidade chegou, tanto eu como ela deixamos de planejar novos caminhos. Enfim, aposentei a velha mochila que tantas saudades me traz.
José Geraldo da Silva