Era uma vez, era uma
vez mesmo, numa comunidade da periferia onde aconteceu mais uma história que
entrou para as páginas policiais. A história de Chapadinho Vermelho, que agora
vou contar. Qualquer semelhança com o original de Charles Perraut é mera
coincidência.
Chapadinho era uma
criança feliz, tinha até nome. Brincava com os coleguinhas no campinho de terra
da comunidade, jogava bolinha de gude e fazia todo tipo de travessuras, como
qualquer criança faz. Assim cresceu. Quando chegou à adolescência as coisas
mudaram. Já não ia ao campinho para brincar, e sim para participar das rodinhas
dos manos, trocou de brinquedos e de costumes. Foi aí que perdeu o nome e
ganhou o apelido que iria marcar sua vida.
Passava horas
brisando. Parou de estudar e não queria trabalhar. Conheceu o lado obscuro das
drogas. Como não tinha dinheiro para satisfazer o vício, entrou para o tráfico.
Afastou-se dos amigos, da família e do mundo. Ficou conhecido, agora era o
famoso Chapadinho Vermelho. Era responsável pela entrega das encomendas.
Entretanto, numa tarde fatídica ele entrou para as estatísticas policiais.
- Filho, por que você
não para com isso? Disse sua mãe.
- Por que não arruma
um emprego e volta a estudar? Esta vida não vai te levar a nada.
Ela falava com tom de
desespero, pois sabia que seu filho estava na mira das facções rivais e da
polícia. E ele resignado responde:
- Não dá mãe! Não
posso.
- Mas meu filho,
sempre há um jeito. Você pode ir para o interior, para a casa de seus avós.
- Não, não! Preciso
levantar grana para poder curtir meu barato. Esquece! Hoje vai ser a lança da
minha vida.
- Filho é muito
arriscado, você pode ser preso ou até morrer. Por favor, esqueça isso! Ouça o
meu conselho.
- É tarde! Não dá
mais para arregar.
Sua mãe em tom de
súplica implora e desabafa:
- Meu filho, sonhei
para você um futuro brilhante, que se tornasse um doutor. Não que se tornasse
nisso. Nunca imaginei para você essa vida. Sempre disse para se afastar das más
companhias e nunca experimentar drogas. Olha à tua volta e vê, seus amigos, a
maioria já morreu ou estão presos. Por favor! Me ouça.
- É minha sina! Não
quero mais conversar. Depois de hoje vou me tornar gerente.
Um silêncio tomou
conta do ambiente. Mãe e filho se olharam, sem nada dizer um ao outro, como se
aquele olhar profundo estivesse dizendo tudo. Antes que saísse ela lhe disse
aquilo que todas as mães dizem quando os filhos saem:
- Se cuida meu filho,
tome cuidado, a comunidade está sendo monitorada e você pode se dar mal. Vá, vá
com Deus.
- Fique tranquila, eu
volto logo.
Um olhar, um adeus...
Quando ele chegou ao
local da entrega, estranhou que havia muito silêncio. Aquilo não era normal. O
galpão abandonado estava abandonado mesmo. Mesmo assim ele entrou, sentiu um
calafrio, e de repente ouviu alguém:
- E aí!
Trouxe a mercadoria.
E ele
respondeu:
- Quem
é você, por que não mostra o seu rosto. Como vou saber se é a pessoa certa?
- Fique
parado aí, preciso me certificar se veio sozinho.
- Claro
que sim, não foi o combinado?
- É que
tem muito lobo por aí, preciso ter certeza.
Chapadinho
ficou gelado, a respiração acelerou. Uma sensação de pânico tomou conta de sua
mente, e desesperado gritou:
-
Apareça logo, e assim eu vou embora. A mercadoria está aqui. Entregue a sua
parte do negócio.
De
repente, um barulho rompe o silêncio do ar. Ficou apenas um corpo estendido no
chão. Depois de algum tempo, fotógrafos e policiais enchem o lugar. Morre
Chapadinho, sem nunca ficar conhecido o seu algoz.
Essa
era para ser uma história alegre, com final feliz, mas infelizmente é mais uma
daquelas que têm acontecido todos os dias. Histórias de meninos e meninas que
deixam seus sonhos, seduzidos pelo lobo devorador das drogas. Que devora a
infância, a adolescência, a juventude e a vida. Seduz meninos que abandonam a escola
e a família pelo simples prazer momentâneo das substâncias alucinógenas.
O lobo
aparece nos campinhos, na porta da escola, nas baladas, onde você menos espera;
e quando menos se espera devora para sempre personagens, que viram estatística
policial. A história do Chapadinho é parecida com milhares de histórias. Bom
seria se o caçador das fábulas aparecesse e a tempo os livrasse das garras do
devorador. Bom seria se as histórias dos nossos meninos sempre tivesse final
feliz, e que a vida triunfasse no final.
Autor:
José Geraldo da Silva